Formado em Educação Física pelo Cesumar, Guilherme Santana é guia da bicampeã paralímpica, Terezinha Guilhermina, há dois anos. Ele esteve no Cesumar na tarde de ontem (20), com a medalha de ouro conquistada na Paralimpiada de Londres, nas provas de 100 e 200 metros. A trajetória de Santana ao lado de Guilhermina é de muita emoção e dedicação.
Em entrevista ao Cesumar, Santana afirmou que antes de começar a graduação nunca pensou em seguir carreira no atletismo. Ressaltou os obstáculos enfrentados e, também, contou um pouco de sua trajetória até chegar ao pódio em Londres.
"Para ser guia é preciso ter força de vontade, porque tem que respeitar o desejo do outro, você não faz a sua corrida, tem que fazer a corrida do atleta." Guilherme Santana
No que a graduação influenciou em seu desempenho como atleta?
Guilherme Santana - Iniciei o curso de Educação Física em 2006, já pensando em correr atrás de alguma coisa da área em que eu pudesse viajar. Sempre gostei de viajar. Na graduação, eu tive a oportunidade de participar dos Jogos Universitários. O pessoal estava disputando futsal e vôlei e eu pensei: nessas modalidades eu não vou me inscrever, porque sou ruim e o que eu sei fazer é correr, eu nunca tinha nem treinado.
Me inscrevi no atletismo. Falei que corria os 100m, 200m e 400m, mas eu nuca tinha corrido 400m, corria na brincadeira. Nos jogos universitários, em Guarapuava, participei das três provas e classifiquei em todas para a final, mas só ganhei a medalha de bronze nos 400m. Quando voltei para Maringá, meu veterano na graduação, Sargento Rui- do 4º Batalhão, me convidou para treinar na cidade. Treinei com ele durante um mês, três vezes por semana.
Quando aconteceram os jogos de Maringá, eu disputei e ganhei de pessoas que treinavam há cinco, seis anos. Ganhei os jogos abertos, mais medalhas nos jogos universitários e competições brasileiras. O pontapé inicial da minha carreira foi começar a graduação no Cesumar e com isso participar dos Jogos Universitários. Isso que me motivou a continuar correndo.
O que fez você optar por ser guia?
Guilherme Santana - Eu já entrei no esporte um pouco tarde, geralmente os atletas começam cedo, na infância, com 12, 13 anos e eu comecei quando já estava na faculdade, com mais de 20 anos. Eu vi que não ia fluir tanto, pois meus tempos não estavam baixando e surgiu a oportunidade de guiar a Terezinha Guilhermina e eu abracei. Graças a Deus está dando certo e eu creio que ela está gostando.
Como foi a preparação para seguir nessa modalidade?
Guilherme Santana - Eu tenho uma desenvoltura de andar meio correndo e o professor Humberto, que agora é coordenador do curso, me ajudou. Ele falou das minhas técnicas me ajudou a corrigi-las, me ensinou algumas atividades, que sempre precisamos fazer antes de iniciar os exercícios e ele corrigia isso e me ajudava muito. Quando surgiu a oportunidade de guiar a Terezinha, eu abracei. Gostei do jeito que ela fez o convite para eu trabalhar com ela. A Terezinha me chamou para viajar e guiá-la nas competições e como eu gosto de viajar, aceitei.
Na hora eu queria sair para treinar, e ela disse: "não, não precisa treinar hoje, treinamos amanhã e você vai me guiar em São Paulo na prova dos 400 metros". Eu fui e ela gostou do jeito que eu a guiei. Porque eu não gritava e geralmente os guias gostam de ficar gritando, incentivando e eu não, as únicas coisas que eu falava para ela era: siga reto e avisava na hora da curva. Ela gostou! Sentiu-se como se estivesse correndo sozinha, porque querendo ou não você é os olhos da pessoa, mas não precisa ser a boca dela. Ninguém gosta de ficar ouvindo uma buzina toda hora no ouvido. E a única coisa que eu fiz foi falar curva e reta" e ela gostou. Isso a deixou mais a vontade comigo.
O que um atleta precisa ter para ser guia?
Guilherme Santana - Precisa ter força de vontade, pois é preciso respeitar o desejo do outro, você não faz a sua corrida, tem que fazer a corrida do atleta. Eu corro, mas desfavoreço a minha corrida para favorecer a Terezinha. Precisa ter disciplina, tem que conciliar os horários com a atleta, e é difícil. Geralmente os guias acham que o atleta tem que mudar os horários e não é, eu mudei todos os meus horários para ajudar ela.
A Terezinha gostava de treinar de manhã porque fazia faculdade à noite e eu gostava de treinar à tarde. Mudei para atender às necessidades dela. É preciso fazer adaptações de horários e coordenações com o atleta para que desenvolva a sintonia. Ter um pouco de paciência, pois não é de uma hora para outra que você vai fazer uma corrida legal. Demora um pouco de tempo, mas graças a Deus com a Terezinha foi rápido e deu tudo certo.
Nunca pensou em seguir a sua carreira como atleta e disputar as olimpíadas?
Guilherme Santana - Todo mundo que está no esporte sempre pensa em disputar as olimpíadas, mas como eu comecei muito tarde, pensava em disputar no máximo o brasileiro. Graças a Deus eu consegui disputar quatro brasileiros e isso era o meu feito. Achei que tinha alcançado o meu ápice no esporte, pois as Olimpíadas era muito empenho. Hoje eu estou muito satisfeito podendo disputar com a Terezinha as paralimpíadas.
Você tem uma trajetória de muitas conquistas, várias medalhas com a Terezinha, consegue descrever qual foi o melhor momento da carreira até agora?
Guilherme Santana - O melhor momento, além das duas medalhas de ouro nas paralimpíadas, certamente foi o mundial, porque a gente quebrou um obstáculo, já que o pessoal não acreditava muito na Terezinha, pois ela tinha acabado de romper com o outro guia e, em três meses que treinamos juntos, quebramos dois recordes e conseguimos quatro medalhas de ouro no mundial. O mais emocionante foi nas paralimpíadas, depois que eu tive aquela queda na disputa de 400m, pois eu abri mão de conquistar um bronze para conquistar dois ouros no dia seguinte. Foi o mais emocionante.
O que aconteceu no momento da queda?
Guilherme Santana - Antes de entrar para correr minha musculatura estava contraída, falei para Terezinha que não estava bem, fui à fisioterapeuta e ela não conseguiu nenhum tipo de soltura, colocou bandagem na minha posterior, mas não adiantou. A Terezinha falou que confiava em mim eu falei que confiava mais ainda, sempre acredito que vai dar tudo certo. Na hora da corrida estávamos bem, faltavam 120m e eu pensava que ia conseguir. Quando faltavam 30m, eu pensei que seria melhor me jogar no chão do que estoura a coxa posterior. Soltei da Terezinha para ela não cair comigo e me joguei. Depois eu falei para ela: Terezinha, hoje nós não ganhamos a medalha, mas amanhã vamos ganhar a medalha e muito mais.
Foi tenso, eu nunca tinha sentido uma dor tão forte. A musculatura estava muito presa e a Terezinha entendeu meu incidente. Quando eu caí no chão o estádio inteiro, com 80 mil pessoas, respirou fundo e eu ouvi um "aaahh". Quando levantamos e terminamos a prova eu vi as pessoas nos aplaudirem em pé. Foi um máximo. E no outro dia foi a glória.
No outro dia, quando vocês cruzaram a linha de chegada e garantiram o ouro. O que você sentiu naquele momento?
Guilherme Santana - Nossa, foi um momento de superação, de garra, força, determinação e vontade. Eu nunca entrei em nada para perder. Não gosto de disputar nem pingue-pongue, par ou impar, jogo da velha se não for para ganhar. Em Londres, não foi diferente. Eu estava engasgado nos 400m, quando completamos a prova e cruzamos a linha de chegada, eu queria gritar, queria fazer o que for.
A Terezinha viu que eu estava emocionado. Ela tirou a venda, colocou em meus olhos e começou a aplaudir. Foi um gesto muito bonito dela. Eu me arrepiei, fiquei com vontade de chorar. Aquele momento é para guardar na memória, porque foi difícil. Eu não dormi, fiquei pensando se iria dar certo. Não tenho palavras que explique o que senti. Foi emocionante!
Quais são os próximos compromissos?
Guilherme Santana - Agora a gente tem um período de descanso. Vou participar dos jogos abertos representando Maringá. Quero ver se consigo trazer algumas medalhas para a cidade. Vamos iniciar os trabalhos no dia 10 de outubro. Terá uma competição em novembro, em seguida, o circuito Loteria da Caixa, em Fortaleza. Tem um período de 30 a 40 dias de férias e voltamos ao batente, para atender os próximos compromissos. Acredito que a nossa última paralimpíada será de 2016, no Brasil, e depois temos alguns projetos sociais em mente, que com certeza vamos desenvolver juntos.
Agradecimentos
Guilherme Santana - Só quero agradecer... É tanta gente. A todos os meus amigos, as pessoas que sempre acreditaram em mim desde o início da minha carreira no atletismo, apesar de ter começado tarde. Aos professores do curso, a academia A.U.E, meus pais, que sempre acreditaram em mim e sabiam que eu ia me destacar. Ao Cesumar, que me ajudou. Eu consegui ter essa glória, na oportunidade de participar dos jogos universitários, onde tudo começou. E, sem dúvida nenhuma, à Terezinha, que acreditou no meu trabalho e me possibilitou fazer dela multimedalhista, pois em todas as vezes nós subimos no pódio e na única vez que não subimos ela me entendeu.