A televisão brasileira sempre teve nas novelas um pilar cultural de enorme relevância, mas com o fortalecimento de plataformas de streaming de vídeos, o cenário do entretenimento audiovisual tem mudado. “Precisamos relativizar a ideia de que os brasileiros deixaram de assistir novelas. O que ocorre é uma mudança no perfil de consumo”, aponta Felipe Bonomi, professor de Publicidade e Propaganda na EAD UniCesumar. Ele explica que o público hoje está mais fragmentado e atento a conteúdos sob demanda, como os oferecidos pelas plataformas de streaming.
Isso fez com que, ao longo do tempo, as telenovelas também passassem por adaptações. “Elas mudaram, e muito. Com formatos mais curtos, roteiros conectados a temáticas sociais contemporâneas e uma estética cada vez mais cinematográfica, as novelas continuam representando o DNA do storytelling brasileiro, mesmo que não ostentem mais as mesmas audiências de décadas passadas”, garante Bonomi.
Doramas ganham coração de brasileiros
Em paralelo a essa transformação, os doramas coreanos ganharam espaço e o coração de muitos brasileiros. “O principal “ingrediente” desse produto é a combinação entre a simplicidade emocional e a estética elaborada”, analisa o professor, que tem um livro publicado sobre o tema intitulado “Navegando no Mar Sériemaníaco: convergência e divergências no consumo de seriados”. Segundo ele, a estrutura fechada e enxuta dessas séries, com 12 a 20 episódios, favorece um consumo mais rápido e afetivamente recompensador, especialmente em tempos de sobrecarga informacional.
Na fórmula de sucesso, o apelo emocional dos doramas tem sido reforçado pelos depoimentos de fãs que participaram das pesquisas conduzidas por Bonomi. “São pessoas que querem viver cenários diferentes da vida real, que gere mais conforto mental”, relata ele. A previsibilidade das tramas, para ele, não é um defeito, mas uma característica valorizada: oferece segurança emocional e leveza diante das tensões do cotidiano.
Para muitos espectadores, o fascínio pelos doramas está também na maneira como eles retratam afetos com delicadeza. “Os enredos são, na essência, histórias de afetos: amores proibidos, triângulos amorosos, reencontros, dramas familiares”, descreve Bonomi. Isso se combina com personagens bem definidos e uma narrativa que cresce lentamente, criando vínculos profundos com o público.
Mesmo com o crescimento dos doramas, Bonomi enxerga um futuro híbrido para a teledramaturgia nacional. “Não acredito que a novela brasileira vá acabar, mas sim que ela seguirá se transformando para continuar sendo relevante.” Portanto, o professor aposta na convivência de formatos tradicionais com novas linguagens e plataformas, em uma era em que o sucesso vai além do Ibope.
Nesse contexto, ele também destaca o poder das redes sociais, que desempenham um papel crucial nessa nova dinâmica cultural. “Personagens e tramas vivem também fora das telas, com repercussões em memes, discussões em fóruns, fanfics e até no engajamento direto com os atores. Isso cria um ecossistema transmídia que impulsiona ainda mais o engajamento dos fãs”, destaca.
Bonomi ainda chama atenção para um ponto central de suas pesquisas: “O consumo cultural é sempre uma prática relacional e situada. Não existe uma adoção passiva do produto estrangeiro, mas uma apropriação situada.” Assim, o sucesso dos doramas no Brasil não representa o fim das novelas, mas sim a convivência entre diferentes formas de contar histórias, moldadas por afetos, hábitos e demandas culturais próprias do público brasileiro.