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Missão UniCesumar no Haiti: Dia 1 - Superação

Superar é mais do que uma palavra. É um imperativo para uma realidade frágil e com poucas perspectivas.

Por Lissânder D. do Amaral

Porto Príncipe (Haiti), 4 de agosto de 2019 - Dia 1

Este relato é sobre o nosso primeiro dia no Haiti. Um relato sobre as primeiras impressões, os primeiros olhares de uma realidade que há meses aguardávamos conhecer. Não estamos falando de um passeio turístico, mas sim de uma história difícil de um povo que vive abaixo ou no limite da linha da miséria, e muitas vezes foi forçado a superar a si mesmo.

Superação. Essa é uma palavra forte e muito necessária quando aprendemos sobre a história do Haiti. Trata-se do primeiro entre os países das Américas a obter o fim da escravidão. E, no caso deles, é ainda mais impressionante saber que esta liberdade foi conquistada por suas próprias mãos, com suor e sangue dos próprios escravizados, no fim do século XVIII.

Mas quando percorremos as ruas de Porto Príncipe, não é cheiro de liberdade que sentimos. Infelizmente, é o odor do lixo e do esgoto a céu aberto. A energia elétrica é insuficiente, e só podemos ter acesso aos seus benefícios à noite. A água oferecida pelo governo é imprópria para consumo, o que nos obriga a comprar água mineral e a lavar a roupa com o que conseguiram armazenar da chuva.

Ao sair do ar condicionado do Aeroporto Internacional Toussaint Louverture, nos deparamos com muita gente a espera de quem chega, um calor grande e um estacionamento confuso. Mais importante, no entanto, foi sermos recebidos por sorrisos e abraços de Ana Lúcia, a missionária brasileira responsável pela nossa hospedagem e acolhida aqui. Animada, determinada e falante, Ana Lúcia é símbolo de uma resiliência necessária por aqui. Vive na cidade desde 2011, um ano depois do terrível terremoto que matou mais de 300 mil haitianos e trouxe um caos ainda mais intenso ao país. Ela trabalha com cinco orfanatos da cidade, tentando conseguir apoio de fora para atender às necessidades das crianças órfãs. São esses orfanatos que nossa equipe irá visitar e ajudar.

Enquanto eu, Danilo e a médica Graciele seguimos em uma van dirigida por um haitiano, Ana Lúcia segue em seu carro à nossa frente, encontrando atalhos no trânsito. Com ela, estão Pedro e o médico-oftalmologista Alessandro, voluntários de última hora que vieram para atender as crianças com exames oftalmológicos e montagem de óculos. Ainda teremos tempo para falar posteriormente sobre cada uma dessas pessoas e qual o propósito delas aqui. Por ora, basta sabermos que nesse primeiro dia estamos nos conhecendo e formando a equipe que trabalhará junta durante a missão.

Chegamos na casa de Ana Lúcia por volta das 10 horas da manhã, após uma viagem por um trajeto cheio de subidas e descidas, ruas esburacadas e trânsito desordenado. A casa é ótima: grande, bonita, aconchegante e pintada com um forte branco, em contraste com o cinza das ruas, dos muros e das outras residências mal construídas. Conhecemos Mari France, a cozinheira que preparou um almoço delicioso (frango frito, salada, arroz semelhante ao baião-de-dois nordestino e banana frita e amassada). Ana Lúcia nos contou um pouco de sua história e da razão pela qual decidiu permanecer em Porto Príncipe, mesmo quando o esposo pediu divórcio e voltou ao Brasil. Também conhecemos sua amiga missionária Bruna, que chegou há apenas um mês de Aracaju (SE). Talvez Bruna fique, talvez não. Ela quer ficar.

Aprendemos um pouco de criole e francês com um jovem haitiano que nos vendeu chips para acesso à internet no celular. Ele veio fazer o serviço e ficou por aqui até o fim da tarde. Após o almoço, nos deitamos para descansar da viagem. Em um sono de aproximadamente uma hora, eu acordei algumas vezes por conta do calor. Meus colegas de quarto apontaram a temperatura como fator que dificulta o sono, situação essa que certamente nós teremos que aprender a lidar nessa inesquecível semana que começa.

Conhecemos o Jamerson, nosso intérprete haitiano. Ele é jovem, mas já fala português, inglês, espanhol, francês e criole. Aprendeu ouvindo os estrangeiros que moram em seu país. “Eu gosto de aprender, porque sei que tudo será útil para mim depois”. Boa lição, Jamerson!

A casa ainda está quase vazia, já que o restante da nossa equipe (a maioria, na verdade) ainda não chegou. São os treze estudantes de Medicina, os dois trainees e os dois líderes de nossa equipe, que voaram via Miami (EUA). No entanto, um pneu da aeronave furou minutos antes da decolagem, o que proporcionou um atraso de uma hora. Enquanto escrevo este texto, às 17h, acabo de saber que eles chegaram em Porto Príncipe. Daqui a alguns minutos, nos reencontraremos.

Eles chegaram! Seus olhares estão cansados, mas curiosos. Querem ver. Vieram aqui para isso. Agora a equipe está completa.

Chegam, mas estão todos ocupados, em movimento. É hora da refeição. É hora de receber as instruções sobre o uso do banheiro, é hora de escolher a cama em que cada um vai dormir. A casa está cheia. Cheia de gente, de alegria e de disposição para viver dias marcantes.

Após os primeiros procedimentos para a hospedagem, os estudantes se reúnem e começam a organizar todas as doações recebidas. A sala de estar é totalmente ocupada por medicamentos, roupas e itens de higiene pessoal. Tudo será doado para as crianças e para adultos. Ah, mas tem uma coisa que foi trazida especialmente para Ana Lúcia: chocolate! A missionária vibra de alegria ao ponto de, brincando, rolar no chão abraçada com barras de chocolate. Ela também ganhou leite condensado, café, tapioca, batata palha e outros alimentos não essenciais, mas que tornam as pessoas mais felizes. Aqui no Haiti, há supermercados, mas tudo é muito caro. A maioria das pessoas sobrevive com menos do essencial, algumas conseguem obter o necessário e quase ninguém recebe mais do que isso. É uma terra de escassez.

A médica brasileira Graciele me fala, no final do dia: “como eles conseguem viver com tão pouco? É... temos muito o que aprender nesses dias”. Eu respondo: “Sim, Graciele. Nós sairemos daqui com minhas lições”. Minha resposta é como que uma reação. A verdade é que não deveria ser assim. Ou seja, uma sociedade deveria ter as condições necessárias para crescer e oferecer oportunidades de crescimento para todos. Aqui no Haiti, esse é um ideal mais distante do que no Brasil.

Superar é mais do que uma palavra. É um imperativo para uma realidade frágil e com poucas perspectivas. Os governos haitianos já receberam muita ajuda financeira de outros países, mas somente o seu povo pode superar a si mesmo e quem os aprisiona, como fez no passado.

Educação que Transforma - Missão Haiti

Estudantes do curso de Medicina da UniCesumar embarcaram na última sexta-feira (2) para uma missão humanitária no Haiti por meio do Programa Educação que Transforma, idealizado pela Diretoria de Relações Institucionais. Além de inserir os alunos na prática da profissão de forma mais humanizada, a proposta da viagem é atender crianças órfãs de cinco projetos sociais no país até o dia 10 de agosto. Esta é a primeira vez que alunos da Instituição realizam uma ação como essa.

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