Unicesumar
Unicesumar

Missão UniCesumar no Haiti: Dia 3 – Afeto

Por Lissânder D. do Amaral

Porto Príncipe (Haiti), 6 de agosto de 2019 - Dia 3

 

Hoje visitaremos dois orfanatos: o primeiro fundado por um argentino e o segundo por um pastor evangélico. Será o dia mais intenso, com a agenda mais cheia até aqui, e, por isso, decidimos que nosso almoço será um lanche que comeremos no centro da cidade mesmo. Portanto, só voltaremos para casa no fim do dia.

Já estamos no terceiro dia desde que chegamos a Porto Príncipe, e nossa rotina da manhã é simples (acordar, café da manhã, reflexão em grupo e colocar os equipamentos e lanches nas vans), mas o cansaço às vezes torna mais difícil. Em nossas casas, acordar para estudar ou trabalhar é quase que automático, aqui estamos fora da nossa zona de conforto, e tudo é muito intenso. Nesse sentido, acordar significa mais do que levantar-se; é estar pronto para mais uma jornada diária, com a mente cheia de imagens de crianças e o senso de responsabilidade de preparar toda a estrutura de atendimento médico e cuidado.

Primeiro orfanato: Rosa Mine

Saímos em direção ao orfanato Rosa Mine, fundado por um argentino de alta patente militar. Ao chegarmos lá, já percebemos a diferença com relação ao primeiro local que visitamos no dia anterior. Esse é mais limpo, mais organizado. Foi preciso esperar por alguns minutos na van até que recebêssemos a autorização para entrar. Mas tudo certo, e logo já abraçamos as crianças e fomos abraçados por elas. Rapidamente, procuramos os espaços necessários para a instalação de cada serviço e tarefa: os exames oftalmológicos serão feitos no andar de cima; as apresentações lúdicas em um espaço aberto, quase como um quintal; o lanche será servido em um local central; e o atendimento médico em uma sala coberta, onde colocamos quatro mesas. Todos já sabiam o que fazer, e foi fácil organizar tudo.

Fomos recebidos por cerca de 35 crianças que moram no orfanato, uma delas já adolescente e que mora lá há anos. É o caso do Baseley, que perdeu a perna, vítima de um caminhão desgovernado. Ele foi criado no orfanato e hoje já tem mais de 20 anos de idade, mas esteve conosco o tempo todo auxiliando a organizar e orientar as crianças.

Neste orfanato, começamos a perceber mais claramente um tipo de comportamento intrigante das crianças, principalmente as menores: elas “escolhem” quem será seu “pai” ou “mãe” e permanecem com o escolhido durante toda a visita. Poucas eram as crianças com comportamento diferente. Elas chegam até o visitante, o abraçam, ficam em seu colo e não o deixam mais até o final. Mesmo quando nossa equipe precisa realizar alguma tarefa, a criança o segue ou fica perto. Este comportamento marcou profundamente todos nós, e revela uma dimensão do afeto por vezes não percebida: a presença.

Essas crianças são órfãs e não tem tanto o afeto pessoal, individual. Os orfanatos existem e muitos deles fazem o melhor que podem, mas a verdade é o país não proporciona condições para isso. As crianças têm moradia, alimentação e estudos, mas não são tratadas de forma individual, única, ao ponto de receberem o afeto regularmente. O que elas precisam é sobreviver, e afeto, infelizmente, é um “luxo”.

A visita ao primeiro orfanato terminou com uma cena emocionante: uma das crianças, o menino Vamon, de 13 anos, abraçou-se com uma estudante da UniCesumar, e não quis soltá-la. Ele começou a chorar e ela também. A cena durou minutos. No exame oftalmológico, o médico-oftalmológico Alessandro detectou que Vamon está com catarata congênita e que irremediavelmente ele perderá a visão. Foi esse mesmo menino com escreveu em meu caderno de anotações nomes de jogadores de futebol famosos e suas respectivas idades. No final, ele me pediu a pulseira que estava em meu braço, e eu dei a ele. Vamon tornou-se um símbolo desse afeto que recebemos e tivemos o privilégio de também oferecer. Um afeto que supera as limitações das circunstâncias econômicas, culturais ou geracionais.

Segundo orfanato: New Horizon Home

Após a saída do orfanato Rosa Mine, seguimos para o supermercado mais próximo, onde compramos nosso lanche-almoço. Fomos para o ar condicionado dos nossos carros e comemos pizza! Com a fome satisfeita, seguimos para o segundo orfanato do dia: o New Horizonte Home, que atende mais de 70 crianças. O nome em inglês já dá a pista de que a manutenção da instituição tem apoio estrangeiro. O líder é o jovem pastor Alex, de apenas 34 anos. Perguntamos onde ele morava com a sua família, e a resposta foi: “Moramos no orfanato. O orfanato é minha família”. Alex fala inglês e então pudemos ter boas conversas com ele. De longe, esse é o orfanato mais estruturado e bem administrado. As crianças são acompanhadas semanalmente por um médico e todos estão na escola. O prédio é limpo e os órfãos recebem duas refeições por dia.

Ao chegarmos no New Horizon, fomos recebidos por crianças mais contidas. No entanto, bastou a missionária Ana Lúcia ligar sua caixa de som com canções animadas que todos começaram a dançar alegremente. Eu disse “todos”. Ninguém ficou parado e pudemos presenciar um momento quase mágico de interação, conexão e bem-estar. Foi muito bom ver todos os estudantes de Medicina entregues de corpo e alma ao cuidado e à comunhão com crianças tão necessitadas. Isso faz parte da promoção da saúde.

O atendimento médico não foi tão numeroso porque um médico já havia examinado todas as crianças nessa semana. Mas isso deu oportunidade para que os estudantes gastassem ainda mais tempo no contato com as crianças.

A visita ao New Horizon foi repleta de expressões de afeto. As meninas fizeram questão de fazer penteados nos cabelos das estudantes brasileiras; as estudantes brasileiras pintaram as unhas das meninas do orfanato; o colo e os abraços dos rapazes do Brasil serviram como espaço contínuo de acolhimento paterno. Uma menina ficou brincando entre o colo do Mateus e do Adriano, como se pudesse escolher entre dois pais. As crianças confiaram fácil e abertamente em nosso grupo e deixaram-se ser cuidadas como se fossem nossos filhos. Na hora do lanche, foi bonito ver aquelas crianças de 2 anos ou menos tentando equilibrar nas duas mãozinhas um copo de suco e um pão com pasta de amendoim.

Saímos do New Horizon mais uma vez emocionados. Mas foi uma emoção motivada não pela raiva ou dó, mas pelo bem que a ternura faz. E ternura é um dos impulsos para explicar compaixão.

Últimas notícias

Categorias